Maria Celestina ganhou o nome de uma tia enxerida que gastava seu tempo tecendo sapatinhos de tricô, lindos na verdade, e os usava como artifício para se enfiar na casa de todas as grávidas da família.
Seca como um graveto, pois era fina e quebradiça, logo corria assim que a benfazeja notícia se espalhava. Levava consigo a irritante mania de sugerir nomes esdrúxulos que emendava, como fazia com suas lãs - nomes de tias com avós, ou de bisavôs com primos - à criança que desejava sua, a que nunca geraria em seu útero murcho.
Com Maria Celestina acertou na mosca, pois nasceu ela com olhos azuis de céu sem nuvens a iluminar um rosto de ângulos harmoniosos, nariz pequeno e boca rosada como romã madura, tão doce e perfumada que todos dela queriam beijo.
Logo se tornou o mimo da família numerosa e feia, como feia a tia era.
Quanto mais Celestina crescia, mais linda e azul ficava, dona de uma beleza que não combinava com a parentada, que já dava sinais de inveja
e despeito. Tias malvadas, de sangue e de consideração, a comparavam com os próprios filhos, nos centímetros crescidos, na cor dos cabelos ou na agudeza da inteligência, nela sempre vivaz.
Como numa profecia, ela se tornava a pérola nesse mar de gente esquisita, sem graça ou dom. Antes da comemoração do primeiro ano, já lançavam suspeitas ante tanta belezura. Os dedos foram usados em medições sem fim, a contar meses e até dias desde o casamento dos pais ao parto de Celestina. Pesquisa realizaram
à cata de algum antepassado, até mesmo tataravô procuraram, algum esquecido em álbum de retrato que olho azul e pele clara tivesse.
Nada encontraram de cor diferente da trigueira textura de todos.
Nas doidivanas, sem provas, a dúvida arrefeceu e foi-se amornando nas estações que passavam.
Enquanto isso, a tia feia já tecia vestidos, suéteres, blusas e casacos, e de agulhas trocara. De lã e tricô passou a linhas e crochê. O bebê virou menina e logo moça, orgulho da tia tecelã que seu nome escolhera.
De tanto andar por todo canto enfeitada de olho azul e crochê de nó perfeito, das ruelas do subúrbio saltou com as longas pernas para passarelas daqui e lá de fora. O estrangeiro virou esquina, e até desejar bom-dia e boa-noite em italiano e francês se atrevia..
A família em polvorosa, vaidosa inteira ficou com a renegada de outrora; e amor p'rá todo lado sobrava: nas visitas à terra mãe, nas lembranças da infância, no feijão com arroz, no primeiro namorado.
As primas, agora melhores amigas, de outrora bonecas e confidências, nela grudavam como carrapicho, tentando figurar em jornal ou revista ao lado da famosa parente. Quem sabe até, num momento de sorte conhecer algum artista famoso se fizesse.
Da tia feia, agora velhinha e mais feia ainda, ninguém lembrava.
Só Maria Celestina, agora Celeste, que a levou prá longe num navio de luxo e confortos, como no sonho que ela há anos sonhava enquanto cruzava suas agulhas.
Tela de Otto Dix - (1891/1969)
Pintor Alemão.
Teresinha Oliveira - Tereoliva.blogspot.com
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