Quando lançaste o primeiro gemido, à luz do dia,
Eu soube que teu Pai não mais viria!
No dia em que fui sua,
Suas mãos construíram nosso lar...
Casa de pedras brancas, de telhado vermelho e de beirais,
Casa à beira mar, com ondas que, ao espraiar,
Vinham duas vezes ao dia afagar os seus umbrais...
Oh Mar!
Mar, como te odeio!
Como te odeio a ti que levaste meu marido
Que jamais entregarás e guardaste no teu seio!
Queres agora levar-me um filho querido?
Sob a minha janela de luto voltaste,
E, pleno de sol, cintilante,
Canções murmuraste
Ao filho que nasceu durante
O dia em que seu pai mataste.
De expressão tão bela e olhos cor do céu,
De lábios que sorriem a cantar,
Como é possível alguém imaginar
Mais esbelto filho do que o meu?
E tu, oh Mar!
Tu atraíste-o sempre, mesmo quando, à luz do dia,
Balbuciava como a ave a chilrear.
Contra o peito o apertei
Para que te não ouvisse.
Para os montes o levei
Com medo que me fugisse.
Andei, andei,
Tanto andei, que o meu andar
Para sempre se entravou.
Tanto andei, que a caminhar
A minha carne sangrou.
A chuva cai, encharca a minha roupa...
Tombei, aqui, ali. Como uma louça
Chorei e ri, e Deus me castigou,
Fazendo-me sentir tudo o que sou.
E de ti, oh mar, ninguém faz caso
Lá na terra dura que habitamos.
Quantas vezes por acaso
O riso diz que choramos.
Meu filho cresceu, vingou,
Fez-se homem ao meu lado,
Mesmo antes que o meu fado
Os cabelos me orvalhasse.
E o destino o levou
Pra Jacinta, o seu amor,
A quem pedi com fervor
Que por marido o tomasse.
No seu dedo fino de mulher
Aquele anel d'oiro lhe porás,
Que teu pai me deu e que me faz
Saudade, que em vão tento esquecer.
Um dia, mais tarde,
Um homem do rei -a bolsa cheia-
Surge na aldeia...
Falaram longamente,
Longamente,
Sem que nada lhes ouvisse.
Então Fernando ao meu ouvido disse:
Vou partir!
Vou para o mar que começo a sentir
Que me chama. Esse mar que me seduz.
Mar imenso que há-de permitir
Que seja mais leve a tua cruz...
... E que Jacinta seja ataviada
Com o oiro que longe alcançarei.
É certo, vou partir, a nau está aviada.
Afrontarei o mar, mas breve voltarei.
Por bosques e por montes, através de montanhas,
Ele ouviu o teu apelo, oh mar!
Com pérfidas manhas,
Tão longe mo vieste arrebatar.
Fernando, o meu amor, o meu conforto,
O meu amparo, a luz da minha vida
E dos meus dias, no seu intento
Vai partir largando o nosso porto,
A terra onde nasceu, a terra querida,
Deixando-me a chorar, num desalento.
Olhai, vós que podeis ver!
Olhai!
Olhai!
Os meus olhos estão cegos, apagados,
Não podem mais olhar.
Estão gastos de chorar!
Foram queimados
Pelas lágrimas que verti,
No muito que chorei e que sofri.
Jacinta, por marido, terá o sofrimento
E eu, por companheiro, o meu tormento!
in NOITE DO TEJO «Son et Lumière» Mosteiro Dos Jerónimos (1958)
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