O carnaval, agora,
Anda muito mudado e differente
Do que se via outr'ora,
Quando a alegria estava em toda a gente.
Ouviam-se as risadas crystallinas,
Os ditinhos alegres, feiticeiros,
Com que muitas bellezas peregrinas
Davam palmas a ingenuas brincadeiras.
Mesmo do barbaro e grotesco entrudo,
Que, no geral, o povo idolatrava,
Corria os grandes e os pequenos, tudo,
E sempre era a alegria que imperava.
Hoje anda tudo triste e sorumbatico,
Embora alguns tentem forçar o riso;
Já perdeu-se a receita do sal atico,
Só tristeza geral é que diviso.
Devemos confessar
Que no povo a tristeza é bem cabida,
Após muito apanhar
Quem risonha e feliz acha esta vida?
Além d'isso nós vemos todo o dia,
Com assombro geral,
Que, pilherias que, outr'ora, só havia
Chegando o carnaval,
São tão constantemente praticadas,
Causando riso e choro,
E quando as julga alguem muito pesadas
Isso se toma em grande desaforo.
A liberdade agóra,
Por um mal entendido sentimento,
Sómente a cabecinha põe de fóra,
Sendo dos manda-chuvas a contento.
Resume-se em bem pouco esta entidade,
E sua norma tem,
Nesta simples verdade:
Pensando com quem - MANDA - penso bem!
Os impostos estendem garra adunca
Sobre a população,
E subiram a um ponto, como nunca
Imaginára um pobre cidadão.
Sem divisão, sem calculo, sem... sizo,
Lançam o imposto a torto e a direito;;
Veremos, brevemente, o prejuizo
Que nos trará seu desastroso effeito.
Artes, commercio, industria aniquilando,
Com vexatorios, hybridos tributos,
Este brilhante Estado irão lançando
N'um retrocesso tal que só com brutos
Podemos ser então equiparados
E é talvez este o lidimo desejo...
....................................................
Meus pensamentos deixo aqui guardados,
Pois até de external-os tenho pejo!
Por carnaval notamos o anno inteiro,
Pois dão-se tantos casos engraçados,
Que eu luto p'ra saber qual o primeiro
Toma o lugar nos hoje mencionados.
Vá lá pelo orçamento de Barreiros,
Com seus impostos ultra originaes,
Onde do Municipio os Conselheiros
Taxam os animaes.
Animaes bicho, animaes gente, tudo,
Deve cahir com seu cobrinho agora,
Apolices ha muitas, -troco miudo-
E é bom que o povo as vá deitando fóra.
Faxa de CAPITAÇÃO,
É o supra summo das leis;
Até quatorze - um tostão,
De quinze acima -um mil reis!
Quem tiver a moradia
De Barreiros na cidade,
Só fará economia
Se for... de menor idade.
Outra disposição muito engraçada,
Que de invenção tem privilegio até,
É a que manda pagar taxa elevada
A todo o que vender porcos - em pé.
Isso é facil de iludir,
Sem ficar muito cançado
Para ao imposto fugir
É vender porcos... deitado.
Ha outro imposto lampeiro
Que a minha attenção disperta:
- Cinco mil reis por pedreiro
Que não tenha CASA ABERTA - !
Este imposto, bem pensado,
É uma invenção de arraza;
Ou o artista é tosquiado
Ou então tem de abrir casa!
Talvez breve, que desgosto,
Fique a cidade deserta,
Fôr ter de pagar imposto
Quem não tiver casa aberta!
E o tal caso do Congresso
Que não quer se reunir?
Isto demonstra regresso
Escurecendo o porvir?
E o mal que alli transparece
Faz julgar tudo perdido?
A opposição que se apresse
A julgar a parede em máu sentido.
Em certo municipio do sertão
Tambem um orçamento original,
Lançou esta exquisita imposição:
Dez mil reis por um fato todo igual
O trajar um fato igual
Produz enorme azedume,
Alli, et. cetera e tal,
Costume é não ter costume.
No centro deste Estado um Conselheiro,
Como elle fosse barbeiro,
Propoz: (vejam como se fazem estas leis):
Quem toda a barba usasse . trez mil reis!
Honra aos legisladores,
Embora, em taes assumptos, atrazados;
Dispensam-me louvores
Ficando este e mais outros adiados!
Perenne carnaval
Temos o anno inteiro;
Por tal motivo é que elle nada val'
E fica muito abaixo de ...sendeiro.
1896: - 16 de 2.
A. J. BARBOSA VIANNA
in TRAPALHADAS (1906)
www.bibliothequeduvalais.blogspot.com tem 1 exemplar disponivel de TRAPALHADAS (1906)
(25 €), para a adquirir ou saber mais sobre a obra, mencione a intenção em comentários.
Sem comentários:
Enviar um comentário