AUTORES NA "ANTOLOGIA VOAR NA POESIA"
Francisco Costa
VIVA A SURUBA NACIONAL!
(Com patrocínio da Rede Globo de Televisão)
Quase o único a não se permitir à televisão,
A não ter um televisor na sala, me olhando,
Todos me olham como se diferente, aleijado,
Com um órgão a menos, mutilado.
Mas não tenho como fugir, estão por aí,
Nas lojas de eletrodomésticos, nas ruas
Nos restaurantes e pensões onde me abasteço,
Nos quartos de motéis... Onipresentes,
Íntimos, nos assistindo nas refeições e no sexo.
Se visito um amigo ou parente, conhecido,
Conversamos sempre a três, eu, ele e ele,
O televisor ali intrometendo-se, interrompendo,
Chamando a atenção para si porque alter ego.
Ontem, em visita de cortesia a aniversariante,
Fui compulsoriamente levado ao Jornal Nacional,
Cartilha que norteia o sentimento e a opinião
De duzentos milhões, como se fosse natural.
Em livre exercício de visão crítica e analítica,
De imediato percebi a importância do evento:
Ao invés de fazer uso do seus repórteres de campo,
Fosse da central ou de uma emissora afiliada,
Mandaram o apresentador do principal telejonal,
Que também acumula os cargos de editor de si mesmo
E diretor de telejornalismo da Rede Globo de televisão,
Como se o próprio apocalipse estivesse em ação.
E o que assisti foi de dar náuseas a qualquer mortal,
Desde que não amestrado, condicionado, preparado
A periférico de tal horror, o chamado telespectador.
Como se fosse brinquedo em mão de criança,
Manipulável, um simples ioiô, a partir das vontades
(ou conveniências) de editores e redatores,
Do lado de cá da tela fomos jogados para lá e pra cá,
Numa sequência de imposições de sentimentos
Alternando-se em segundos, breves, superficiais,
Sem maior aprofundamento, por que vivemos tempo
De informação e não de formação, de ter e não de sentir:
Imagens da fachada cabonizada, corta;
Uma mãe chorando desesperada, corta;
O comandante do corpo de bombeiros esclarecendo
Que no prédio estava tudo ok, corta: velórios, corta;
Taxista afirmando que prestaram socorro, corta;
Secretário da prefeitura contraditando o bombeiro,
Alvará vencido e ausência de fiscalização, corta;
Uma psicóloga afirmando que uma das mães, enlouquecida,
Não admite reconhecer o filho no caixão,
Dizendo que ele virá vê-la já, corta;
Dilma dizendo que tal fato não se repetirá, corta;
Com indiferença técnica, uma maquete do imóvel, corta;
Outra mãe chorando, corta; corpos mortos, corta;
Depoimentos não complementares, contraditórios, corta;
E o meu coração atônito, sem partilhar com o cérebro,
Ambos buscando a acomodação na surrealidade posta
Na tela, no mundo, no momento, como se diante de cartas
Exigindo ordenamento em naipes, sequências, lógica.
E estupefato, atônito, o poeta perdeu a oportunidade
De contar quantas vezes o empostadamente consternado
Apresentador afirmou: “nós, da Rede Globo de Televisão”,
“a equipe de jornalismo da Rede Globo”, “nós, da Globo”,
“os cinegrafistas da Globo”, “o plantão da Globo”,
Fazendo da Rede Globo de televisão o sujeito do fato,
E da tragédia, predicado. A emissora, principal,
Todo o resto calcinado, morto, em escombros, complemento,
Acessório, oportunidade midiática, comercial.
Seguiu-se a novela, pão nosso de cada dia, comerciais,
E, aí sim, o programa com padrão Globo de qualidade:
Bundas, sexo, filosofia de puteiros e botequins, preconceitos
Ancorados pelo maior intelectual do momento,
O guru formador de opinião, cujas pérolas pronunciadas
Deveriam constar em todas as antologias do torpe, do ilógico,
Do imcompreensível: “esse zoológico humano”, “esses heróis”,
Referindo-se à casa dos horrores mentais e seus habitantes.
Voltei pra casa, e envergonhado com o que me permiti,
Me descobri um simples palhaço chorando,
Acumulando indignação bastante e doída
Para redigir esse pretenso poema.
Francisco Costa
Rio, 29/01/2013.
(Com patrocínio da Rede Globo de Televisão)
Quase o único a não se permitir à televisão,
A não ter um televisor na sala, me olhando,
Todos me olham como se diferente, aleijado,
Com um órgão a menos, mutilado.
Mas não tenho como fugir, estão por aí,
Nas lojas de eletrodomésticos, nas ruas
Nos restaurantes e pensões onde me abasteço,
Nos quartos de motéis... Onipresentes,
Íntimos, nos assistindo nas refeições e no sexo.
Se visito um amigo ou parente, conhecido,
Conversamos sempre a três, eu, ele e ele,
O televisor ali intrometendo-se, interrompendo,
Chamando a atenção para si porque alter ego.
Ontem, em visita de cortesia a aniversariante,
Fui compulsoriamente levado ao Jornal Nacional,
Cartilha que norteia o sentimento e a opinião
De duzentos milhões, como se fosse natural.
Em livre exercício de visão crítica e analítica,
De imediato percebi a importância do evento:
Ao invés de fazer uso do seus repórteres de campo,
Fosse da central ou de uma emissora afiliada,
Mandaram o apresentador do principal telejonal,
Que também acumula os cargos de editor de si mesmo
E diretor de telejornalismo da Rede Globo de televisão,
Como se o próprio apocalipse estivesse em ação.
E o que assisti foi de dar náuseas a qualquer mortal,
Desde que não amestrado, condicionado, preparado
A periférico de tal horror, o chamado telespectador.
Como se fosse brinquedo em mão de criança,
Manipulável, um simples ioiô, a partir das vontades
(ou conveniências) de editores e redatores,
Do lado de cá da tela fomos jogados para lá e pra cá,
Numa sequência de imposições de sentimentos
Alternando-se em segundos, breves, superficiais,
Sem maior aprofundamento, por que vivemos tempo
De informação e não de formação, de ter e não de sentir:
Imagens da fachada cabonizada, corta;
Uma mãe chorando desesperada, corta;
O comandante do corpo de bombeiros esclarecendo
Que no prédio estava tudo ok, corta: velórios, corta;
Taxista afirmando que prestaram socorro, corta;
Secretário da prefeitura contraditando o bombeiro,
Alvará vencido e ausência de fiscalização, corta;
Uma psicóloga afirmando que uma das mães, enlouquecida,
Não admite reconhecer o filho no caixão,
Dizendo que ele virá vê-la já, corta;
Dilma dizendo que tal fato não se repetirá, corta;
Com indiferença técnica, uma maquete do imóvel, corta;
Outra mãe chorando, corta; corpos mortos, corta;
Depoimentos não complementares, contraditórios, corta;
E o meu coração atônito, sem partilhar com o cérebro,
Ambos buscando a acomodação na surrealidade posta
Na tela, no mundo, no momento, como se diante de cartas
Exigindo ordenamento em naipes, sequências, lógica.
E estupefato, atônito, o poeta perdeu a oportunidade
De contar quantas vezes o empostadamente consternado
Apresentador afirmou: “nós, da Rede Globo de Televisão”,
“a equipe de jornalismo da Rede Globo”, “nós, da Globo”,
“os cinegrafistas da Globo”, “o plantão da Globo”,
Fazendo da Rede Globo de televisão o sujeito do fato,
E da tragédia, predicado. A emissora, principal,
Todo o resto calcinado, morto, em escombros, complemento,
Acessório, oportunidade midiática, comercial.
Seguiu-se a novela, pão nosso de cada dia, comerciais,
E, aí sim, o programa com padrão Globo de qualidade:
Bundas, sexo, filosofia de puteiros e botequins, preconceitos
Ancorados pelo maior intelectual do momento,
O guru formador de opinião, cujas pérolas pronunciadas
Deveriam constar em todas as antologias do torpe, do ilógico,
Do imcompreensível: “esse zoológico humano”, “esses heróis”,
Referindo-se à casa dos horrores mentais e seus habitantes.
Voltei pra casa, e envergonhado com o que me permiti,
Me descobri um simples palhaço chorando,
Acumulando indignação bastante e doída
Para redigir esse pretenso poema.
Francisco Costa
Rio, 29/01/2013.
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