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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O homem primitivo - José Agostinho de MACEDO

 


     A doce habitação do Eden viçoso,
     onde um momento se firmou teu sólio
     perdeste para sempre; errante e triste,
     foste habitar nos bosques solitários,
5   das estações ludíbrio, horror da terra, 
     que indócil o teu braço, entre os abrolhos
     te deu apenas mísero sustento,
     que disputaste às rebeladas feras.
     Foi tua dita efémera sòmente:
10 qual costuma nascer na primavera
     resplandecente o sol, risonho o dia,
     que súbito negrume em nuvem densa
     rouba ao sol o clarão e a paz aos ares,
     tal o destino do mortal primeiro:
5   nascendo, viu a luz serêna e pura;
     viu-a no berço e túmulo num ponto;
     e tanto pode em nós inda seu crime,
     que temos por herança o mal e a morte
     Foi para nós destêrro o que era pátria;
10 a um dia d'ouro séculos de ferro
     se viram suceder, fechada noute,
     profunda escuridão pousou na terra.
     De mistura co'as feras alimárias,
     o rei da criação nos bosques vive,
15 estado insocial, embora aclame
     teus falsos bens quimérica igualdade.
     O sábio hípocondríaco eloquente,
     que os homens aborrece, os homens busca,
     que anela os bosques só e estima a côrte,
20 que adora a solidão, mártir da glória,
     se ele comigo nas agrestes margens
     do Amazonas medonho os homens vira,
     nus, sem cultura, bárbaros, sem pátria,
     então chamara a liberdade sua
25 mais dura inda que o cárcere e que os ferros,
     e só menos cruel que jugo injusto
     qu'êsses, que êle ilustrou, cobardes sofrem.
     Pelo vasto sertão sem lares giram,
     quais feras brutas só que o pasto buscam
30 nos lacerados membros palpitantes
     de seus mesmos iguais; e, de assustada,
     doce mãe Natureza os olhos tapa.
     A fome atroz e a gula à vida cevam.
     Amortecida a luz do entendimento,
     o débil, maquinal, confuso instinto,
5   contra a injúria do ar lhe ensina apenas
     a mal vestir enregelados membros
     de hirsutas peles de animais que matam.
     Gente errante, infeliz, não sente apêgo
     à terra em que nasceu, repousa e dorme,
10 onde a seus olhos se esvaece o dia,
     e, quási um tronco, a outro corpo encosta.
     Se o Sol, surgindo c'os ardentes raios,
     toca os olhos ao bárbaro, desperta.
     Ora um tigre veloz o despedaça,
15 ora êle, se mais pode, afoga um tigre.
     Não s'ouve um pranto, lágrimas não correm
     (feudo que à morte e à dor paga a ternura),
     quando a Parca lhe corta o fio extrêmo.
     O cavador esquálido na terra
20 jaz, ou no ventre de esfaimado abutre.
     Nenhuma pia mão seus olhos fecha, 
     nenhuma bôca os últimos suspiros
     lhe toma e lhe conserva; assim nos bosques
     viveram meus iguais, e ainda hoje vivem
25 muitos que esconde a América opulenta.


JOSÉ AGOSTINHO DE MACEDO, A Meditação, Lisboa, 1812, págs. 23-25.

 in POETAS DO SÉCULO XVIII (ÁRCADES E PRE-ROMÂNTICOS) Rodrigues LAPA (1941)

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José Agostinho de Macedo (1761 - 1831)



O FRADE


O P.e José Agostinho, que assinava José Agostinho de Macedo (certamente por achar que o sobrenome lhe daria mais prestígio), foi um personagem interessante no virar do sec. XVIII para o sec. XIX, que muito escreveu e sobre quem também muito se escreveu. Homem de feitio truculento, vaidoso a mais não poder, dotado de inteligência arguta, mas sobretudo de uma memória verdadeiramente excepcional, cruzou-se na vida com quem lhe era superior, numa e noutra, e isso produziu ondas de choque que se sentiram por toda Lisboa. Foi o caso da sua relação com o poeta Bocage, de quem foi amigo, companheiro de paródia e, mais tarde, inimigo figadal. Se a fama dos dois andou a par, já o talento poético de Bocage deixa os pobres versos de Macedo a anos luz de distância.

Viveu ele também em tempos conturbados da história nacional, na época das invasões francesas, do domínio inglês, da revolução liberal e da contra-revolução miguelista. Era muito difícil ter uma vida pacífica naquela época.

Como acima referi, José Agostinho de Macedo escreveu muito. É um autor que faz a felicidade dos bibliófilos: o Dicionário de Inocêncio Francisco da Silva indica 302 obras, muitas desdobradas em várias edições. Infelizmente, a quantidade não é acompanhada da qualidade.

Nasceu ele na cidade de Beja em 11 de Setembro de 1761, sendo filho do ourives Francisco José Tegueira e de sua esposa, Angélica dos Serafins Freire. Ainda criança, foi mandado por seu pai para Lisboa, para casa de um seu amigo ourives. Frequentou a instrução das primeiras letras e, aos onze anos, matriculou-se nas aulas da Congregação do Oratório na Casa de Nossa Senhora das Necessidades. Frequentou com aproveitamento as aulas de gramática e língua latina do Padre José de Azevedo e, mais tarde, os estudos de filosofia racional e moral do padre Joaquim de Foyos.

Após os estudos preparatórios, tomou o hábito dos Eremitas de Santo Agostinho, no Convento de Nossa Senhora da Graça, em finais de 1777 ou princípios de 1778. Dizia ele mais tarde que fora para frade contrariado, e constrangido por seu pai. Mas pode muito bem não ter qualquer fundo de verdade. Professou a 15 de Novembro de 1778, ou seja, aos dezasseis anos de idade, com o nome de Fr. José de Santo Agostinho.

A vida pacífica e regrada dos conventos dificilmente se poderia conciliar com o carácter turbulento, a vaidade e a índole caprichosa de Agostinho. Depressa se distinguiu pelas suas leviandades e traquinices. Certa noite, véspera da festa de Santo Agostinho, ele e mais outros frades da sua idade, decidiram assaltar a dispensa e comer umas lampreias que os veteranos do Convento haviam recebido como presente do Colégio de Coimbra para celebrar à mesa a festa do Santo. A proeza valeu a cada um dos intervenientes oito dias de rigoroso jejum a pão e água. José Agostinho foi transferido de Lisboa para Coimbra a fim de seguir o curso de Teologia.

Não ficou muito tempo em Coimbra. Deverá ter feito mais alguma, porque em 1782, foi transferido para o convento de Nossa Senhora do Pópulo, em Braga. Alguns meses depois, dava entrada no cárcere do convento, por tropelia que fizera; nada contente com o castigo, empreendeu a fuga do convento, mas não tardou a ser apanhado. Foi mandado então sob prisão para o Convento de S. João Novo, no cidade do Porto, sendo entregue ao Prior para julgamento. A 17 de Agosto de 1782, foi contra ele proferida sentença claustral, com penas e penitências canónicas. Parte das penas foram depois comutadas, sendo ele mandado para outra casa da Ordem, esperando que se emendasse. Foi para o Convento da Graça, em Évora, mas passado algum tempo (cerca de dois anos), também daí fugiu. Contra ele foi proferida nova sentença a 21 de Março de 1785.

Veio então de novo para o Convento de Lisboa e prosseguiu no mesmo tipo de vida. Foi acusado de extraviar e de vender livros do convento, onde exercia funções de bibliotecário, e também de viver em concubinato, com uma prostituta, Cláudia Maria Benigna (1788). Preso no cárcere do convento, mais uma vez fugiu, tardando desta vez em ser apanhado. À sua revelia, foi contra ele proferida uma sentença em 22 de Junho de 1788, em que ele é declarado incorrigível e digno de ser expulso da religião, vistas as contínuas reincidências.

Vendo-se na iminência de ser expulso, José Agostinho recorreu ao Arcebispo, D. Carlos Bellisomi, Núncio Apostólico em Lisboa; disse estar arrependido e prometeu emendar-se; acusou os seus confrades de malquerenças internas. O Núncio enviou um despacho em 9 de Fevereiro de 1789 ao Provincial dos Agostinhos, mandando que recebesse o réu com caridade e só o castigasse com penas temporárias. O Provincial obedeceu e mandou-o para o Convento da Graça, sito em Torres Vedras. Também daqui se evadiu e foi parar de novo ao calabouço conventual, com vigilância mais apertada, no Convento da Graça, em Lisboa. Quis então recorrer de novo ao Núncio, mas não foi atendido. Enviou então uma exposição ao Ministério dos Negócios do Reino, queixando-se da violência que com ele usava o Provincial da Ordem. A exposição foi às mãos do Intendente Diogo de Pina Manique, que pediu informações ao Corregedor do Bairro do Rossio.

O Intendente remeteu ao Ministério a sua informação dizendo “que o preso era efectivamente de conduta irregular e relaxada, usando de armas defesas, etc. ….. mas que tanto o Provincial como o Prior eram de génios ásperos em demasia, e como tais incapazes de governo”.

Do Governo baixou então em 3 de Fevereiro de 1790 um aviso da Secretaria de Estado ao Intendente, para que intimasse o Provincial Fr. António de Menezes a libertar o recluso, e lhe desse ampla liberdade para falar aos seus procuradores e amigos, sem prejuízo do prosseguimento da causa.

Mais uma vez José Agostinho recorreu ao Núncio Apostólico e este ordenou a transferência de para o Mosteiro do Santíssimo Sacramento, da ordem dos monges de S. Paulo Eremita, na Calçada do Combro, ficando ele assim a coberto da má vontade dos seus confrades, os Gracianos (como eram chamados).

Por esta altura (1790), Joaquim Severino Ferraz de Campos e Belchior Manuel Curvo Semedo, aliados a Domingos Caldas Barbosa, tiveram a ideia de fundar uma academia, substituindo a Arcádia que se finara em 1776. Teve ela o nome de Academia das Belas Letras, de Lisboa. Bocage acabava de regressar da Índia e era, nessa altura, amigo e companheiro de borga de José Agostinho. Alistaram-se os dois na instituição, com os nomes de Elmano Sadino e Elmiro Tagídeo. Algumas poesias de ambos saíram depois nos quatro pequenos volumes do Almanach das Musas. A Academia teve apenas três anos e meio de existência, tendo-se finado sobretudo pela animosidade entre aqueles dois, como veremos adiante.

José Agostinho era bem tratado pelos Paulistas, tinha acesso pleno à Biblioteca e liberdade para dali levar livros. Isso fê-lo cair na tentação de furtar alguns livros para os ir vender à rua. E tão bem se sentia, que, em Março de 1791, decidiu abandonar de vez o convento e vaguear pela cidade, até que a Polícia o meteu na cadeia do Limoeiro à ordem do Intendente. Mais uma vez, o Intendente Pina Manique o devolveu ao Mosteiro de S. Paulo, com uma carta para o Reitor para que lhe aplicasse um correctivo.

Como a tentação era grande, José Agostinho reincidiu no roubo dos livros. Dando-se conta disso, o Reitor foi fazer queixa ao Intendente, que pôs a Polícia em campo, a qual depressa descobriu que a maior parte dos livros roubados estava em poder de um livreiro francês, estabelecido na Rua das Portas de S. Catarina. Foram logo apreendidos e entregues a seus donos. Foi emitido mandado de prisão contra José Agostinho que, no mês de Setembro de 1791, deu entrada nas prisões do Castelo de S. Jorge. Em 8 de Outubro seguinte, foi mandado não já para o mosteiro de S. Paulo, mas para o convento da Graça, com uma carta do Intendente recomendando que fosse punido rigorosamente.

Embora em prisão rigorosa, mesmo assim conseguiu fugir; mas não foi longe. Apanhado, foi-lhe movido um processo célere, de tal modo que em 7 de Dezembro de 1791, foi proferida contra ele uma sentença em que o declaravam contumaz e incorrigível e o expulsavam para sempre da Ordem a que pertencera. A sentença foi confirmada pelo Definitório a 23 de Dezembro.

A 18 de Fevereiro de 1792, foi realizada a cerimónia, em que se lhe despiu o hábito, lançando-o a seguir fora das portas do convento que se fecharam sobre ele.



O PREGADOR


Antes de prosseguir, devo dizer que, nesta data, já José Agostinho deveria ter sido ordenado sacerdote, embora nenhum dos seus biógrafos assinale a data. Só assim se compreende que ele tenha conseguido mais tarde o breve que o tornou padre secular.

O nosso “herói” não se deixou ir abaixo com a perda do hábito de monge. Felizmente para ele na altura (e mesmo durante toda a sua vida), ainda tinha amigos para o ajudar. Um seu antigo confrade, Fr. Joaquim de Menezes e Ataíde assumiu as funções de defensor oficioso e com tanta eficiência que conseguiu a anulação, por motivos formais, da sentença proferida dentro das paredes do convento. Isso permitiu-lhe mais tarde solicitar autorização para exercer as funções de presbítero, como se o processo nunca tivesse existido.

Fora do convento, tinha José Agostinho de encontrar onde ganhar o pão de cada dia. Arranjaram-lhe os amigos (em especial, Domingos Caldas Barbosa) um lugar de redactor no Jornal Encyclopedico, onde até publicou algumas poesias. Mas, passados alguns meses, foi despedido, possivelmente porque acabou o jornal.

Entretanto, chegou-lhe de Roma o breve de secularização, seguindo-se uma sentença executorial do Bispo, pela qual se lhe conferia o pleno exercício das ordens sacras, devendo ele subscrever um termo de obediência àquele prelado, o que fez em 10 de Março de 1794. Adoptou então publicamente o nome de José Agostinho de Macedo.

Maria Ivone de Ornellas de Andrade, na sua exaustiva tese de doutoramento, elenca os benfeitores de Macedo:

- Fr. José Mariano da Conceição Veloso, Director da Imprensa Régia, que editou as suas primeiras obras: o 1.º volume da tradução das Odes de Horácio e dois cantos do poema Contemplação da Natureza;

- Monsenhor José Rebelo Seabra, que lhe conseguiu a nomeação como pregador régio;

- Ricardo Raimundo Nogueira, Conselheiro de Estado e Governador do Reino, a quem dedicou o poema Gama e mais tarde o Elogio Histórico;

-D. António de S. José de Castro, Patriarca de Lisboa.

Nesta fase da sua vida, aplicou-se José Agostinho em procurar a formação literária e ideológica que lhe faltava; para isso, leu tudo o que lhe apareceu à mão: livros de moral, política, literatura, poesia, história, filosofia, tudo ele devorou e amalgamou na sua memória . Aperfeiçoou o seu conhecimento de línguas, até ali praticamente limitado ao latim, tendo feito progressos notáveis pelo menos em francês e italiano.

No mister eclesiástico, deu conta que o melhor que se lhe adaptava e mais rendoso era a função de pregador e, de facto, não lhe foi difícil ganhar fama e proveito como tal. Da tal modo que em 1798, foi escolhido para pregar na Real Capela do Palácio de Queluz, nas festas do nascimento de D. Pedro.

Embora mais tarde publicasse alguns sermões (Inocêncio elenca 21), eram, na sua maior parte, improvisados. Tinha tanta facilidade em redigir, escrevendo, como a orar, improvisando. Mais tarde, era vulgar proferir três, quatro e cinco sermões no mesmo dia. Criado o lugar de pregador régio em 8 de Novembro de 1802, José Agostinho de Macedo foi o primeiro nomeado, o que não era pequena honra no meio lisboeta da altura.


O POETA


Voltemos alguns anos atrás. Em Agosto de 1790, desembarcou do Oriente Bocage, já afamado como poeta repentista. Mais ou menos na mesma altura (e a coincidência das datas pode não ser por acaso), um grupo de poetas ou pretendentes a isso, constituído por Domingos Caldas Barbosa, Belchior Manuel Curvo Semedo, Francisco Joaquim Bingre e Joaquim Severiano Ferraz de Campos decidiu fundar a Academia das Belas Letras ou Nova Arcádia, destinada a substituir a Arcádia Lusitana, que havia sido extinta em 1778. Foi seu protector José de Vasconcellos e Sousa, Conde de Pombeiro, que inclusivamente pôs à disposição as instalações para os sócios se reunirem.

Aqui fica uma lista (que não deve ser exaustiva) dos sócios da Academia, com o respectivo nome artístico:


António Bersane Leite de Paula – Tionio

António Dinis da Cruz e Silva - Elpino Nonacriense

António Ribeiro dos Santos – Elpino Duriense

Belchior Manuel Curvo Semedo Torres de Sequeira – Belmiro Transtagano

Domingos Caldas Barbosa – Lereno Selinuntino

Domingos dos Reis Quita – Alcino Mecénio

Domingos Maximiano Torres – Alfeno Cíntio

Francisco Joaquim Bingre - Francélio Vouguense - ver aqui uma sátira deste poeta a José Agostinho

Gastão Fausto da Câmara Coutinho - Anfriso Tagitano

Inácio da Costa Quintela -Jacinto Ulissiponense

Inácio José de Alvarenga Peixoto – Alcindo Palmireno

João Baptista de Lara – Albano Ulissiponense

João Vicente Pimentel Maldonado - Ismeno

Joaquim Franco de Araújo Freire Barbosa, Abade de Almoster– Corydon Neptunino

Joaquim Severino Ferraz de Campos – Alcino Lisbonense

José Agostinho de Macedo – Elmiro Tagídeo.

José Bersane Leite de Paula – Josino

José Maria da Costa e Silva - Elpino Tagideu

José Rodrigues Pimentel e Maia – Menalca

José Tomás da Silva Quintanilha – Eurindo Nonacriense

Luis Correa da França e Amaral – Meliseu Silenio

Manuel Maria Barbosa du Bocage – Elmano Sadino

Miguel António de Barros – Melibeu

Sebastião Xavier Botelho – Clário / Salicio

Tomás António dos Santos e Silva – Setúbal -- Tomino Sadino


As reuniões eram presididas por Domingos Caldas Barbosa, mulato de nascimento e já de alguma idade (nascera no Rio de Janeiro em 1740). Não tardou muito que Bocage começasse a lançar dardos com os seus poemas contra tudo e todos, a começar pelo Presidente:


Preside o neto da rainha Ginga,

À corja vil, aduladora insana:


Alguns responderam-lhe e assim se estabeleceu uma guerra literária. Por esta altura, José Agostinho ainda estava calado, até porque estava ainda de boas relações com Bocage.

Em 1801, publicou Bocage a tradução do poema As plantas de Ricardo Castel, juntando-lhe uma introdução em que, linha a linha, se auto-elogia. No grupo da Academia, escolhe os que lhe agradam, de quem diz bem, e fulmina todos os outros com os piores adjectivos. Claro que os mencionados, eram aqueles que o adulavam e lhe alimentavam o amor próprio. Entre os seus eleitos, Francélio, Ismeno, Jacinto, Clario, o jovem Menalca (tinha 20 anos), Josino e Alcino. José Agostinho ficou nos excluídos e não terá gostado, pois, passado pouco tempo, saiu-se com a sátira:


Sempre, oh Bocage, as sátiras serviram

Para dar nome eterno, e fama a um tolo:


Não era poesia muito inspirada, mas era ofensiva suficientemente para levar Bocage às nuvens. De improviso, arrasou-o com a resposta a que chamou “Pena de Talião”:


Refalsado animal, das trevas sócio,

Depõe, não vistas de cordeiro a pele.

………………....

Sanguessuga de pútridos autores,


………………....

A rapsódia servil, poema intruso,


Pilhagem que fizeste em mil volumes,


………………....

Mas venha o mais: epístolas, sonetos,


Odes, canções, metamorfoses, tudo . . .


Na frente põe teu nome, e estou vingado.



José Agostinho respondeu com uma segunda sátira, mas diz Inocêncio que, sendo ainda mais fraca que a primeira, não chegou a ser publicada. Na altura, a polémica ficou por ali. A luta era muito desigual, não pela agressividade das palavras, mas pela qualidade dos textos, real em Bocage, inexistente em Macedo.

Entretanto, Bocage foi expulso da Academia, pois já ofendera quase todos os restantes sócios, com pequenas excepções. Macedo permaneceu até à sua extinção, em 1793. Dos trabalhos da Nova Arcádia ficaram quatro pequenos volumes com o título “Almanaque das Musas”, além, claro, dos livros dados à estampa pelos próprios sócios.

Até à morte prematura de Bocage em 1805, este ainda lançou mais umas bicadas a Macedo:


O tonsurado, retumbante Elmiro

Vibra tiros ao vate, e cada tiro

Mais frouxo que pedrada de criança.


No final de 1804, Macedo escreveu um ensaio teatral, uma tragédia chamada Zaida, mal acolhida pelo público; Bocage puxou da pena e escreveu:


Na cena em quadra trágico-invernosa

Zaida se impingiu (fradesco drama!)

Apareceu depois, com sede à fama,

Tragédia mais igual, mais lastimosa:


O autor pranteia em frase aparatosa

Esfaqueado arrais, pimpão d'Alfama;

Corno o protagonista, e puta a dama,

O machão é Simeão, e a mula é Rosa:


Espicha o rabo (eu tremo ao proferi-lo)

Espicha o rabo ali o herói na rua,

Qual Muratão nos areais do Nilo!


Elmiro na tarefa continua,

Já todos pela escolha, e pelo estilo

Rosnam que a nova peça é obra sua.


Em abono da verdade, deve dizer-se que, à morte de Bocage (aos quarenta anos ), José Agostinho escreveu um comovido epicédio:


…………………..enquanto o Mundo

Se lembrar de Camões, de Tasso, de Milton,

Lhe há-de lembrar também d’Elmano o Nome.


(Sobre a polémica Bocage - Macedo, ver este site e também este.)

Passados sete anos, despertou em José Agostinho a raiva adormecida e veio de novo para a escrita lançar impropérios contra Bocage, em “Os burros” e nas “Considerações mansas sobre o quarto tomo da Obra métrica de Manuel Bocage” (1813).


Entretanto, José Agostinho não desistia da sua carreira de poeta. Tinha ele preparado uma tradução completa de Horácio e conseguiu que o Padre José Mariano Veloso lhe editasse um primeiro volume, o que aconteceu no início de 1807. A obra não foi bem acolhida, tanto mais que, na mesma altura, foi publicada outra tradução do mesmo poeta, mais perfeita, por António Ribeiro dos Santos. O segundo volume não foi publicado, por falta de merecimento, embora José Agostinho afirmasse que o Padre Veloso havia levado para o Brasil o manuscrito quando partiu para o Brasil com a família real, fugindo à invasão de Junot.

Data desta altura a inimizade permanente entre Agostinho e Nuno Alvares Pereira Pato Moniz, poeta medíocre, que escreveu longamente contra Macedo. Pato Moniz escreveu alguns sonetos satíricos a propósito da tradução de Horácio, e José Agostinho respondeu-lhe com uma longa sátira. Nunca mais se puderam ver. Mais tarde Pato Moniz escreveu:

- em 1815, as 355 páginas do Exame analytico e parallelo do poema Oriente do Rdo. Jose Agostinho de Macedo com a Lusiada de Camoes

- em 1817 as 182 páginas da Agostinheida - poema heroi-comico em 9 cantos, impresso em Londres.

Pato Moniz parecia fazer da crítica a Agostinho uma profissão (mas era Secretário da Câmara Municipal de Lisboa).


Durante a primeira invasão francesa e o governo do País por Junot, Macedo esteve mais sossegado, porque fazia menos sermões. Aproveitou para rever as suas obras e escrever mais algumas.

Quando os franceses foram derrotados na Roliça e no Vimeiro e expulsos de Portugal (mas não de mãos vazias), José Agostinho não parava de ser solicitado para pregar nas missas de acção de graças pela libertação; diz Inocêncio que ele terá proferido mais de quarenta “discursos gratulatórios”, de que se publicaram apenas dois.

Por esta altura, publicou Agostinho “Os sebastianistas”, crença bastante espalhada por Lisboa. O livro, porém, era insultuoso, malcriado, inexacto, de tal modo que logo apareceram outros a refutar o que ele dizia. Como o tema era popular, os papéis vendiam-se muito bem e davam dinheiro aos seus autores. Mas Agostinho acabou por perder, pois diminuiu substancialmente o numero dos sermões encomendados, já que em muitas paróquias havia “sebastianistas” em lugares de influência

O maior desplante de Agostinho foi o de querer suplantar Camões. Depois de vários anos de composição, publicou em 1811 o poema Gama, que depois transformou em Oriente (publicado em 1815), com o acrescento de dois cantos. Todos lhe caíram em cima, mas o homem não tinha emenda.

Nesta altura (1811) zangou-se com o tipógrafo Desidério Marques Leão, porque este, em vez de fazer do Gama os 200 exemplares que tinham combinado, fez 1000. Agostinho exigiu-lhe quatro moedas (4 x 6$400 rs.) pelo preço do manuscrito. Marques Leão perdeu assim a edição do Motim Literário, com que esperava ganhar muito dinheiro.


JOSÉ AGOSTINHO E A INQUISIÇÃO


Apesar de Macedo afirmar descaradamente que não tinha nenhuma queixa na Inquisição, a verdade é que teve quatro queixas (e não apenas duas, como dizem Inocêncio e António Baião).

A primeira denúncia (Pr. N.º 6 776) foi a de Soror Mariana Faustina da Purificação, 39 anos, do Convento de Santa Marta, que está datada de 24 de Julho de 1804. José Agostinho é identificado como “Clérigo Secular, egresso da Religião dos Eremitas de Santo Agostinho”, morador na Rua Nova da Palma. A denunciante afirma que o Padre lhe dirigiu várias expressões de afecto e lhe apertou a mão, quer na grade do parlatório, quer uma vez no confessionário, onde foi conversar com ele, pois não se podia ir à grade, por estar o Sacramento exposto.

Foram ouvidas diversas testemunhas, que nada disseram em desabono do Padre, e afirmaram que a freira sofria da cabeça.

O próprio Comissário encarregado do processo, Pedro Lourenço de Seixas, refere que a queixosa padecia muito da cabeça; que o acusado é pregador régio e pessoa de boa vida e costumes. O processo é concluso com vista ao promotor Fiscal em 3 de Outubro de 1804 e fica por aí.

Os processos 16 439 e 17 071 apenas têm as denúncias, que, no entanto, são bem mais graves que a anterior.

Em 28 de Abril de 1807 a analfabeta Josefa Maria do Nascimento, que esteve em casa do Padre como criada até ao Natal de 1807, morando ele na Calçada do Forno do Tijolo, freguesia dos Anjos, afirmou que, estando ela de conversação com Domingas Rita Ebrard, mulher infamada de mancebia com o P.e José Agostinho, ele disse às duas que não havia inferno, que isto da formação do mundo era uma história. Que fora o confessor dela que a obrigara a fazer a denúncia, caso contrário, não a absolvia.

Na sequência desta denúncia, vai aos Estaus a em 9 de Maio de 1807 a Domingas Rita Ebrard, moradora na Calçada de S. Ana, freguesia de Nossa Senhora da Pena, no n.º 40, de 30 anos, casada com António Moreira Brito, Furriel do Regimento de Setúbal, a qual confirmou as declarações da Josefa Maria do Nascimento. Mais declarou que a intenção de fazer a denúncia chegou aos ouvidos do P.e José Agostinho “o qual ameaçou matá-la, se tal denúncia fizesse”.

A Josefa disse que a Domingas era casada, mas não fazia vida e sociedade com o marido.

Estas denúncias não tiveram qualquer sequência, eventualmente porque foram feitas imediatamente antes das invasões francesas e do governo de Junot.

Nos ficheiros da Torre do Tombo, consta mais uma denúncia de 1813, mas, infelizmente, o respectivo processo (n.º 16 012) desapareceu, como já referia Maria Ivone de Ornellas de Andrade. Oxalá consigam reencontrá-lo na Torre do Tombo, agora que andam a tentar pôr ordem nos processos da Inquisição.


MAIS POLÉMICAS


Um frequente alvo das pedradas de José Agostinho foi o dramaturgo António Xavier Ferreira de Azevedo, que escrevia umas peças o melhor que podia para a actriz Mariana Torres, que era sua amante. José Agostinho também escrevia peças para a actriz Maria Inácia da Luz, com quem também tinha um caso. Eram rivais, elas e eles.

José Agostinho declarou guerra de morte a António Xavier e à sua protegida. Chegou ao extremo de escrever uns versos obscenos com o título “Paródia do Elogio que em a noite do seu beneficio recitou a primeira actriz, a senhora Marianna Torres, no theatro da Rua dos Condes”. António Xavier tinha bom feitio, mas desta vez, não se ficou. Escreveu uma peça a parodiar o padre com o título “O mau amigo”. O actor que fazia o papel do padre, de nome Caetano de Sousa, andou uns dias a seguir o padre, para copiar os seus gestos, o modo de se assoar, de “tomar” tabaco, etc. de modo a poder imitá-lo no palco; pôs assim o público a rir às gargalhadas. A peça teve um enorme sucesso. José Agostinho foi fazer queixa ao Intendente da Polícia, mas este disse que, para se pronunciar, tinha antes de ver a peça. Mas só o fez ao fim de vinte dias, quando quase Lisboa inteira já a tinha visto.

O Comissário da Polícia permitiu que a peça continuasse, mas exigiu que se mudasse o vestuário do personagem. Xavier vestiu-lhe um casaco vermelho igual ao que trajava um louco inofensivo da urbe lisboeta alcunhado de Pax Vobis, deixando outros elementos que identificavam o padre. As risadas redobraram.

Na guerra contra António Xavier, Agostinho ainda recorreu mais tarde a um truque muito abjecto. Um dia em que pregava na Igreja Paroquial de S. Paulo, vendo António Xavier entre o público, virando-se para ele disse (cito Inocêncio): “Daqui mesmo estou vendo um ímpio, que veio a este lugar sagrado para zombar dos mistérios da nossa religião e do culto do Altíssimo, etc.”. Ficaram todos escandalizados e a Irmandade do Santíssimo da freguesia excluiu o Padre de ali voltar a pregar.

No ano de 1812, começou José Agostinho a escrever um longo poema, onde satirizava tudo e todos, a que chamou Os Burros. Primeiro, teria quatro cantos, depois, seis e, finalmente, oito. Metia no poema toda a gente de que não gostava. Numas versões entravam uns, depois, noutras saíam esses e entravam outros. Há uma versão de 1812, outra de 1814, outra de 1823, outra de 1825 e, finalmente, uma final de 1827. Para Inocêncio, a obra deve ser considerada inédita, tantas as contrafacções que constam das três edições, duas em Paris (1827, 1835) e uma em Lisboa (1837).

Em 1812, deu ele ao prelo os poemas Newton e Meditação. Demoraram algum tempo a sair a público e, quando isso aconteceu, já ele preparava novas versões, como era seu costume. Saíram então segundas edições, respectivamente, em 1815 e 1818.

Uma coisa que nos admira e disso se admirou também Inocêncio, é como ele conseguia escrever tanto, quando vagueava na cidade tardes inteiras, ia aos conventos “namorar” as freiras, ia para o Rossio, etc.

É José Agostinho que nos dá a chave do enigma: “…e se me pergunta V. Mercê quando escrevo tanto, passeando sempre e buscando o pão sem dever cinco réis a ninguém, levando manhãs e ás vezes tardes inteiras no meu ofício, que é falar alto e bom som, eu lhe respondo: que gasto mais azeite, que vinho; sem consultar os médicos e sem ser frade capucho, posso-me levantar regularmente à meia noite e escrever até pela manhã, duas chávenas de bom chá compõem a minha cabeça e logram o meu estômago, e continuo na teima de estudar e escrever até às onze horas, quando o meu falar alto me não chama para a rua; janto e durmo até ás três; depois, Rossio e mundo e Cais do Sodré, a ouvir verdades puras e discursos patrióticos”.


JOSÉ AGOSTINHO DE MACEDO E AS MULHERES


Apesar do celibato eclesiástico, José Agostinho teve sempre relações íntimas com mulheres. Ainda frade foi acusado de viver em concubinato com Cláudia Maria Benigna, uma prostituta. Teve também um caso com a Domingas Rita Ebrard, separada do marido, que o denunciou à Inquisição, como vimos.

Foi depois íntimo da actriz Maria Inácia da Luz, na sua fase de “dramaturgo”. Como diz Inocêncio, voltou-se depois do teatro para o claustro, e substituiu a actriz por uma religiosa Cisterciense do Mosteiro de Odivelas, D. Joana Tomásia de Brito Lobo de Sampaio, a quem dedicou o livro Cartas Philosóphicas a Áttico, impressas em 1815. Deste modo, ficou o affaire conhecido em toda Lisboa.

Estes amores acabaram em 1818. Foi o caso que D. Joana Tomásia se correspondia com outra religiosa da mesma Ordem das Bernardas, de Coz, chamada Maria Cândida do Vale; um dia, mostrou ao Padre uma carta dela e ele gostou do que leu. Quando D. Maria Cândida veio a Lisboa, pediu-lhe uma entrevista. A seguir, D. Maria Cândida abandonou o convento e veio viver com José Agostinho até à morte deste, treze anos depois. Foi muito o fervor do Padre que, em poucos dias, compôs cento e um poemas que publicou em 1819, na Imprensa Régia, com o título de A Lyra Anacreôntica, a ela dedicado.

Namorar freiras era ocupação típica da época, em especial dos padres; chamavam-lhes “peixe de grelha”, por causa das grelhas do parlatório. José Agostinho chama-lhes “manas” e dizia mesmo que D. Joana era sua irmã.

O amor por D. Maria Cândida também arrefeceu, quando José Agostinho se embeveceu por uma freira mais novinha do Convento das Trinas no Rato, Soror Feliciana Rosa da Madre de Deus, com quem se correspondeu de Janeiro de 1820 a finais de 1822 – temos ainda hoje 57 dessas cartas, publicadas pela Academia das Ciências. Chama-lhe “Mana e senhora minha”, “Mana do meu coração”e à Superiora do Convento “nossa Mãe”. A partir daí, D. Maria Cândida passou a ser a “empostolenta”, a “emplastrada”, e a “galinha choca”. A pobre veio depois marcar terreno, com duas cartas que endereçou à nova rival, transcritas por Inocêncio; deverá tê-lo conseguido, porque o romance epistolar acabou no final de 1822.


NO TEMPO DA REVOLUÇÃO


José Agostinho de Macedo gabava-se de ter sido convidado para entrar na Maçonaria, mas Inocêncio acha que essa é mais uma das mentiras dele. Até à revolução de 1820, nunca deixou de combater e escrever contra os pedreiros livres, como se dizia ao tempo.

Onde ele quis entrar, foi na Academia das Ciências, sem que alguma vez o conseguisse. Disso ficou ele despeitado e não deixou de o escrever:


Debaixo desta pedra mudo e quedo

Jaz o moído e moedor Macedo

No mundo nada foi quando vivia,

Nem sócio foi da magra Academia.


A 24 de Agosto de 1820, deu-se a revolução no Porto. José Agostinho sentiu-se um bocado desorientado. Por um lado, queria aproveitar a liberdade concedida pelo novo regime, por outro, o coração puxava-o para a defesa dos princípios absolutistas. A certa altura, “ameaçou” parar de escrever, como se o público fosse sentir a sua falta. E, na realidade, parece que assim acontecia.

Procedia-se então às eleições para as Cortes. Apesar dos esforços em contrário dos seus inimigos, José Agostinho conseguiu ser eleito primeiro substituto pelo círculo eleitoral de Portalegre com 1513 votos. Serviu-lhe de consolação, mas não chegou a pôr os pés no Parlamento, com grande desgosto dele.

Em 18 de Novembro de 1822, foi presente ao Tribunal Protector da Liberdade de Imprensa, acusado de abuso da liberdade de imprensa. Fora o caso que tinha escrito num artigo da Gazeta Universal de 28 de Março do mesmo ano, que os corcundas (absolutistas) professavam muitos e mui diversos ofícios, sendo uns sapateiros, outros alfaiates, alguns brigadeiros, outros generais, sacristães, coveiros, etc., enquanto que os liberais tinham todos um ofício, que era o de pedreiro. Naquele tempo, era grave acusar-se alguém de maçon (pedreiro livre), ou seja, ateu, destruidor da moral, da ordem social e do governo. O advogado de José Agostinho, Manuel José de Abreu Gomes Vidal, porém, fez bem o seu trabalho e ele acabou por ser absolvido.

Segundo diz Inocêncio, os liberais trataram então de o conquistar para o lado deles, “pagando” para que ele escrevesse alguns textos a favor do sistema constitucional.

Em 1823 dá-se a Vilafrancada, e José Agostinho teve de se desculpar com os seus correligionários por ter posto a sua pena ao serviço do partido agora vencido. Fundou então um jornal estranho com o nome de Tripa virada, onde escrevia com o seu habitual estilo violento e virulento. De tal modo que, após serem publicados três números, o Ministério suspendeu o jornal. Fez sair então a Tripa por uma vez: livro primeiro e último.

Em Abril de 1824 foi nomeado pelo Arcebispo – Vigário-Geral do Patriarcado, D. António José Ferreira de Sousa, censor do Ordinário de todas as publicações, vindas do estrangeiro e traduzidas. Como era seu costume, escreveu muito e à vontade, falando de tudo e não apenas dos livros em apreciação. Foram essas censuras publicadas em 1901 pela Academia das Ciências de Lisboa.

Faleceu D. João VI em 10 de Março de 1826 e José Agostinho foi escolhido para pregar nas solenes exéquias do real defunto, que se fizeram um mês depois. Deste sermão, tirou ele um lucro apreciável pois foi-lhe atribuída uma pensão anual de 300$000 rs. que ficou a receber até ao fim da sua vida. Esta pensão foi obtida pela intervenção do Dr. Abrantes, médico e conselheiro real, que Agostinho (o qual detestava médicos) até havia insultado numa censura em 21 de Dezembro anterior. Escrevera ele: “O médico Abrantes está agora benemérito das Letras, porque sábado, 17 do corrente, deu duas pílulas a um livreiro, e acabando a 18 de tomar a segunda, acabou para sempre de vender livros e lá está enterrado. Deus guarde a V. Ex.ª muitos anos, e o livre de tais médicos e tais livros”. Alguém remeteu a censura para Inglaterra e ali foi publicada no n.º 6 do Correio Interceptado (1826). Lá teve Agostinho de emendar a mão com um texto a que chamou Resposta aos collaboradores do infame papel intitulado Correio Interceptado, onde incluiu alguns apressados elogios ao Dr. Abrantes, seu benfeitor.

Nesta altura, estava ele com a saúde bastante abalada, sofrendo permanentemente de gota e de cálculos na bexiga muito dolorosos. Tinha-se acentuado a cor avermelhada que lhe tinha valido a alcunha de Padre Lagosta. Desde 1822, alugara uma casa em Pedrouços para onde se retirava para descansar.

Data desta época uma amizade grande com o s frades bernardos de Alcobaça, nomeadamente, Fr. Joaquim da Cruz a quem escreveu muitas dezenas de cartas e também Fr. Fortunato de S. Boaventura, a quem também escrevia, chamando-o Padre Mestre Doutor.

Em 29 de Abril de 1826, D. Pedro IV outorgou nova Carta Constitucional, jurada sem oposição em 31 de Julho seguinte. José Agostinho iniciou uma campanha contra a Carta e contra os deputados através de uma série de cartas dirigidas ao seu amigo e editor Joaquim José Pedro Lopes, criticando o regime, os liberais e os artigos do jornal O Português. Foram 32 cartas publicadas mais tarde com o título de Cartas de José Agostinho de Macedo ao seu amigo J.J.P.L. (ao todo, 384 pags.), com tiragens elevadas, como refere Inocêncio. Destas publicações, diz Inocêncio que ele retirou proveitos apreciáveis, ainda que, nesta altura, se tivesse tornado ele muito avarento e fuinha.

Em 1828, tomou conta do Reino, D. Miguel, que revogou a Carta Constitucional e reinstituiu o antigo regime. Apesar da doença, José Agostinho encontrou a energia para iniciar outro jornal a que chamou A Besta esfolada, de que saíram 26 números. Era editor o seu amigo Fr. Joaquim da Cruz e de cada número eram impressos 4 000 exemplares. O jornal transpirava ódio contra os liberais e contra todos os que eles consideravam inimigos do trono e do altar. A censura procurava moderar os textos, com grande raiva do autor. Em Outubro de 1829, o Desembargo do Paço acabou por proibir o jornal; José Agostinho demitiu-se então do lugar de censor.

Apesar dos sofrimentos causados pela sua doença, José Agostinho continuou a escrever até ao termo da sua vida. A sua última empresa foi o jornal O Desengano, periódico político e moral, de que saíram 27 números, sendo o último póstumo.

Teve um ataque violento a 30 de Setembro de 1831 e faleceu na manhã de 2 de Outubro, poucos dias depois de completar 70 anos.

Pelas leis vigentes na época, os frades egressos não podiam fazer testamento (Ordenações, Liv. 4.º, Tit. LXXXI, § 4.º), mas os bens que tinha ficaram para D. Maria Cândida do Vale, que depois regressou ao convento.



CONCLUSÃO


Que se aproveita da vida de José Agostinho de Macedo, para além da lista enorme das suas publicações e dos seus escritos, que fazem a delícia dos bibliófilos? Não muito, na verdade.

Como pregador, o que era, como ele dizia, o seu ofício, procurava falar alto e em bom tom, aparentando convicções que, com toda a evidência, não tinha. Numa epístola escrita em versos hendecassílabos, dirigida em 21 de Maio de 1808 a Frei Francisco Freire de Carvalho, escreveu ele:


Eu vivo, caro amigo, pois não morre

A inumerável turba dos carolas,

Encanzinados em louvar os santos,

Que lá na glória repimpados jazem,

Zangados, como eu creio, da assuada

Que lhe fazem de cá roucas rebecas,

E as mentiras que eu prego, e mais os outros,

Que a pasmada plebécula suspendem,

Com frias Orações, Discursos ocos.


A sua memória prodigiosa e a facilidade de improvisar eram as qualidades mais importantes que lhe permitiram viver do seu ofício de pregar em muitas épocas da sua vida. Nisso tinha um orgulho e vaidade desmedidos como se vê por este trecho, parte final do Solilóquio LXIII, no Motim Literário, 3.º vol.:


Outro fenómeno de engenho desejava eu observar na República das letras, que vem a ser um homem, que, consumado em estudos, e com a alma tão inundado caudaloso rio da erudição, tão possuidor de sua maternal linguagem, de imaginação tão fértil, e em cujo espírito se sucedessem tão rapidamente as ideias umas à1s outras, que sem nenhuma preparação prévia sobre qualquer assunto dado de moral, e na esfera da religião sobre qualquer mistério, improvisasse um discurso regular, conforme as mais escrupulosas leis da arte de persuadir, que durasse uma hora, e acabado este discurso, com algum intervalo, não para meditar, mas para repousar, começar sobre outro assunto dado, novo discurso, que parecesse meditado, escrito, decorado de longo tempo. Esta maravilha nunca apareceu em França, e se viu uma só vez em Itália em um só discurso desta natureza improvisado por um capucho de barbas, chamado Serafim de Vicenza. Deram-lhe um texto ao subir do púlpito, e era este: Pulchritudo ejus filiæ regis ab intus, discorreu maravilhosamente sobre a perfeição interior do espírito: mas não se tornou a meter noutra, saindo-se tão bem deste primeiro ensaio. Ora este fenómeno não visto até agora, existe vivo, são, e robusto em um canto de Portugal, tão esquecido, ou tão pouco notado como se estivesse morto. Habituou-se de tal maneira a discorrer improvisamente, que já não pode de outra maneira discorrer em público. Constituída em acção, começa o discurso, e escaldando-se-lhe progressivamente a fantasia, vão sucedendo-se em ordem ideias sempre novas; a proposição ou proposições estabelecidas, são demonstradas com todo o rigor matemático sem secura, mas com toda a pompa, e fertilidade da eloquência, este homem pára de cansado e não de exaurido, e acomodada que seja esta fervura, e tornando o entendimento a equilibrar-se não se lembra nem de uma só palavra que pronunciasse, e fica por grande espaço em tal inacção, que se assemelha à verdadeira estupidez; eu não sei apontar qual seja a razão desta extraordinária maravilha.


Viveu numa época em que todo o que lia livros tinha a mania que era poeta, e por isso quis também sê-lo, mas a poesia dele pouco vale.

Como pessoa, não tinha mesmo qualidades de carácter que o recomendassem.

Os seus contemporâneos são, em geral, muito severos para com ele, como, por exemplo, José Liberato Freire de Carvalho, nas Memórias com o Título de Annaes para a História do Tempo que durou a Usurpação de D. Miguel, vol. 1.º, Lisboa, 1841.


"No princípio do seguinte mês de Outubro deste ano morreu em Lisboa o padre José Agostinho de Macedo, de quem já falei no meu Ensaio sobre a usurpação de D. Miguel, e que foi uma das grandes monstruosidades do nosso tempo; porque toda a sua vida foi em sumo grau escândalo por sua imoralidade, hipocrisia e baixa servidão. Contudo, como literato pode dizer-se, que nem lhe faltaram talentos nem erudição, falsificando factos, persuadindo-se vaidosamente que bastava enunciá-los para que acreditassem. O seu estilo em prosa, mui longe de ser castigado e clássico, era, pelas mais das vezes, tortuoso e difuso; e no que mais pecou foi na falta de decência, porque em geral, era venal, baixo, grosseiro, e muitas vezes foi torpe e obsceno. Quis ainda passar por um dos nossos grandes poetas; e a sua vaidade, seu elemento essencial, até o levou a querer competir com Camões; mas nesta empresa teve a sorte que lhe convinha, porque, sem talentos poéticos para ser inventor, teve a presunção de o querer emendar; e assim, seguindo-o de rastos na sua marcha, verdadeiramente nova e sublime, mostrou ao mundo que se apenas podia passar por um bom versejador, era como poeta, na presença do nosso Homero, um verdadeiro pigmeu, cheio de altivez e arrogância.”. (pp. 101-102).extraído de www.arlindo-correia.com/180708.html

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