Antonio Carlos Gomes
A CASA ASSOMBRADA E O
MODESS
Estou sem a mínima vontade de
fazer qualquer coisa. Está mais fresco e com garoa, só eu e o Lacan, meu amigo
cão, a rádio ligada e o pensamento, felizmente disperso.
Acontece que nestas horas
lembranças estranhas agitam o departamento de memórias esquecidas, foi aí que
recordei fatos há muito perdidos. Era bem moleque, não lembro ao certo a
idade.
Morava na Alameda Lorena em
Sampa, virando a esquina, na Alameda Campinas bem no meio do quarteirão tinha a
casa assombrada. Na verdade, uma senhora ali havia morrido após longo
sofrimento, as comadres falavam que a mesma não queria morrer. Foi o que bastou
para a pequena molecada achar que o espirito ficou na casa. Eu evitava passar
por ali, por medo mesmo.
Certo dia minha mãe mandou-me a
farmácia com um bilhete, comprar não sei o que. Tinha de passar em frente à casa
assombrada. Dar a volta demoraria e não sabia se era urgente, era melhor ir
logo. Passei correndo, cheguei ao
estabelecimento. Dei o papel e a balconista me entregou um pacote que já vinha
embrulhado, macio, grande, não era um vidro. Fiquei curioso.
Desci retornando e na hora que
corria defronte a casa, cai e ralei o joelho. Com dor e tudo entreguei
rapidamente a encomenda misteriosa. Perguntei o que era: não obtive resposta.
Minha progenitora apenas passou a água oxigenada e a seguir o mercúrio cromo,
receita de curativo da época.
Conversando com a molecada,
descobri que aquilo era o tal de Modess, para a tal da menstruação; vocabulário
que me era totalmente esquisito. Era tabu falar para as crianças, por isso vinha
embrulhado.
Quanto a correr em frente à casa
mal assombrada, nunca mais o fiz. Passava andando mesmo, o medo da queda era
muito maior.
Não sei até hoje se a
assombração mudou de endereço.
26/01/13
Tony-poeta
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